Cuidado em liberdade faz pacientes aderirem a tratamento nos Caps

00149693Cuidar em liberdade. É com essa diretriz que os 12 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Curitiba atendem usuários de álcool e drogas e transtornos mentais, assegurando acolhimento sem privá-los do contato social e com a família – um método que, para muitos pacientes, tem representado a primeira oportunidade de adesão efetiva ao tratamento.

“No tratamento levamos em conta o fator médico, o psicológico e o meio social em que os pacientes estão inseridos, sem a privação do convívio com a família e com o mundo exterior”, explica o secretário municipal da Saúde, Adriano Massuda.

No primeiro trimestre deste ano, estavam em tratamento nos 12 Caps de Curitiba 2.396 usuários de álcool e drogas e 2.379 pacientes com transtornos mentais, e cerca de mil deles já haviam passado pelo acolhimento.

“Nos Caps realizamos acolhimentos que duram em média uma semana, nos momentos em que os pacientes se sentem mais vulneráveis e respeitando a necessidade de cada um”, explica Luciana Savaris, diretora adjunta do Departamento de Saúde Mental.

A recepcionista Angelina A. desconfiou da eficácia desse método quando foi com o marido, alcoolista e dependente químico, procurar ajuda em janeiro deste ano. Mãe de cinco filhos, estava grávida quando chegou ao Caps Cajuru pela primeira vez. “Vim encaminhada pela unidade básica de saúde, mas quando conheci o local e o tratamento não acreditei em um resultado efetivo. Depois que comecei a participar do apoio familiar oferecido aqui no Caps e ouvir os relatos dos familiares de outros internos percebi que estava no caminho certo, principalmente porque ele está se tratando com a família por perto”, conta.

Ela lembra o medo que sentia antes do tratamento quando saía de casa para trabalhar e não sabia como as coisas estariam quando retornasse, no fim da tarde.

“Meus filhos estavam revoltados e sempre nos chamavam na escola. Hoje, quando meu marido não está aqui no Caps está cuidando deles. Sei que estão bem cuidados e voltei a confiar nele”, ressalta Angelina.

Mudança

Pacientes do Caps Cajuru, Nilson e David são entusiastas desse método de tratamento. Nilson teve o primeiro contato com o crack aos 13 anos, por curiosidade. Trabalhou como técnico em solda e porteiro antes de largar a casa dos pais e ir morar numa favela, passando a usar crack constantemente. “Conhecia muita gente na favela e era fácil conseguir a droga. Quando olhei pra mim estava há dias sem tomar banho e sem comer, só fumando. Com ajuda dos meus pais, fiquei dois meses internado em uma clínica e passava os meus dias rezando e carpindo. No dia em que vi pessoas fumando crack lá dentro, pulei o muro e voltei pra casa. Depois disso conheci o Caps e agora estou há mais de 200 dias livre do crack”, diz.
Hoje Nilson mora com os pais e faz planos para o futuro. “Vai fazer um ano que venho diariamente ao Caps. Comecei a estudar e vou fazer concurso para guarda municipal. Como o tratamento é baseado na liberdade, estou aprendendo a manter o equilíbrio lá fora. Na marquise do prédio que moro com meus pais tem gente fumando crack, mas eu sei que consigo passar por ali e não me deixar influenciar por isso novamente”, afirma.
David, por sua vez, tem dificuldades com o álcool. Trabalhava em um hospital quando sofreu uma desilusão amorosa e se entregou ao álcool. Em pouco tempo, fechou sua casa e foi morar na rua. “Eu vivia na Praça Tiradentes e quando via pessoas que eu conhecia, me escondia nas cobertas. Depois comprava um litro de pinga e a vergonha pela minha situação sumia”, conta.
Depois de um ano vivendo nas ruas de Curitiba, David precisou de ajuda para tratar uma infecção nos rins e bexiga. “Só usava chinelo porque meus pés eram muito inchados, minhas mãos sangravam e nesta situação acabei ficando 30 dias internado em um hospital psiquiátrico. Sem nenhum convívio social, não aguentei a pressão. Dei um jeito de sair do hospital e acabei aqui no Caps. Aqui faço terapia, participo das oficinas, fiz curso de porteiro, atendimento ao cliente e terminei agora o curso de Controle Social em Saúde Mental na UFPR. Eu, que só tinha entrado em uma universidade para limpar ou cortar grama, agora vou ter um diploma. Qualificado, quero ajudar as pessoas, devolver um pouco de tudo o que foi dado aqui no Caps para mim”, diz ele.
Além do atendimento nos Caps, a Secretaria Municipal da Saúde conta com 143 leitos hospitalares para tratamento de álcool e drogas e 90 para transtornos mentais, além dos seis leitos gerais no Hospital do Idoso Zilda Arns. “A atenção hospitalar é importante na composição da Rede de Atenção Psicossocial, como apoio aos serviços de caráter comunitário, como os Caps”, diz o secretário Massuda.