Série mostra extensão e funcionamento do SUS em Curitiba

00182984Pode ser que você nunca tenho ido a uma unidade pública de saúde ou que jamais tenha feito sequer um exame clínico pago pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, é grande a chance de que você seja um beneficiário do SUS – uma sigla que abrange uma imensa e complexa rede de serviços e, de alguma forma, alcança praticamente toda a população brasileira. A partir de hoje, o portal da Prefeitura publica uma série de matérias para mostrar o que abrange e como funciona a rede do SUS em Curitiba.

Vamos começar por um exemplo de serviço que interessa a qualquer cidadão. Para que um restaurante abra e não ofereça risco alimentar a seus clientes, é preciso que esteja adequado a normas e passe por vistorias sanitárias regulares. Essas vistorias são feitas pelo SUS. Os mesmos passos também devem ser seguidos por supermercados, padarias, açougues, farmácias, hospitais, food trucks e toda a indústria alimentícia. A vigilância sobre a qualidade da água destinada ao consumo humano e o monitoramento dos vírus circulantes em um município também são feitos pelo SUS.

O sistema ainda é responsável por campanhas educativas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de combate ao Aedes aegypti. E as atividades que extrapolam os consultórios das unidades de saúde não param aí... “As pessoas usam indiretamente o SUS do momento que acordam até a hora de dormir. O pãozinho do café da manhã, os produtos de higiene pessoal, as roupas que vestem. Tudo acaba passando por inspeção da Vigilância, que funciona como os olhos do consumidor em diversas situações e exige que os serviços exerçam suas atividades com qualidade e segurança para os usuários”, afirma a diretora do Centro de Saúde Ambiental da Secretaria Municipal da Saúde, Giselle Pirih.

Além disso, há medicamentos para algumas doenças que são distribuídos exclusivamente pelo SUS. No caso da tuberculose, da hanseníase e da malária, por exemplo, há pelo menos 13 fármacos que só o Sistema Único tem, como o etambutol 400mg comprimido, o artemeter 80mg/ml solução injetável e o talidomida 100mg comprimido. No tratamento oncológico, o L-asparaginase é uma droga restrita do SUS. E mesmo quem tem plano de saúde pode ter acesso a esses medicamentos e a atendimento nas unidades de saúde. Afinal, desde a sua concepção e criação, o SUS é universal.

Até mesmo ações voltadas para a segurança no trânsito estão relacionadas de alguma maneira ao SUS. Em Curitiba, a Secretaria Municipal da Saúde é uma das integrantes do comitê do programa Vida no Trânsito, que visa reduzir as mortes por acidentes e na capital paranaense já contabiliza uma queda de 40,6% desde 2011. Servidores do SUS, junto com representantes de outros órgãos, debruçam-se sobre os números de acidentes para identificar causas e fatores de risco, fornecendo informações que subsidiam políticas públicas voltadas para a melhoria do trânsito.

“Esses exemplos mostram que o SUS é muito mais do que as pessoas imaginam. A cobertura vacinal é ampla na rede pública e praticamente todos os transplantes realizados em Curitiba são feitos pelo SUS, que também é responsável por prestar atendimento de urgência pré-hospitalar com o Samu e o Siate, trabalhar com dados epidemiológicos das mais variadas ordens – como estatísticas de vítimas do trânsito, perfil nutricional da população e mortalidade por tipo de câncer – e fazer o controle de zoonoses e vetores. Como se pode perceber, a rede do SUS é complexa e exige o envolvimento de profissionais qualificados em diversas áreas de formação, como temos em Curitiba”, diz o secretário municipal da Saúde, César Monte Serrat Titton.

(Des)aprovação

A universitária Gabriela Pedroso, 19 anos, e a jornalista Olga Oliva fazem parte da parcela de 29% dos brasileiros que dizem não ser usuários do SUS, uma vez que possuem plano de saúde. “Tem muita gente precisando do SUS. Acho que quem tem condições de pagar um plano de saúde não deveria depender dele para não acumular ainda mais. Vai encher o serviço pra que?”, justifica Olga. “O trabalho do meu pai oferece convênio particular. Eu não usaria o SUS pela demora. Minha avó já precisou e a consulta levou cinco meses para ser marcada”, explica Gabriela.

De acordo com o estudo Opinião dos Brasileiros sobre o Atendimento na Área da Saúde, feito em 2014 pelo Instituto Datafolha para o Conselho Federal de Medicina, aqueles que se declaram não usuários do SUS têm uma opinião mais crítica sobre o sistema do que aqueles que efetivamente o utilizam. Enquanto 68% dos não-usuários dão nota de zero a 4 para o SUS, o mesmo índice cai para 52% entre os que se declaram usuários do sistema. Na outra ponta, 13% dos usuários e 7% dos não usuários dão nota de 8 a 10.

Ao se depararem com a descrição de outras atividades do SUS, Gabriela e Olga admitem: são usuárias do sistema. “Não imaginava que era tão abrangente assim”, diz a universitária. “Não pensamos no SUS como um todo, em todo o organismo. Ele é muito abrangente e as pessoas acabam focando muito nessa questão [do atendimento em unidades de saúde]. É uma falha de comunicação também”, avalia Olga.

A professora do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Criselli Montipó avalia que o noticiário influencia a avaliação da população a respeito do SUS, mas diz que isso está vinculado à obrigação do jornalismo de cobrar das autoridades que os serviços públicos sejam praticados corretamente, respeitando aspectos de qualidade ligados ao investimento existente, como acesso a especialidade médica, tempo de atendimento e equipamentos apropriados.

“Como o jornalismo se pauta por critérios como novidade, atualidade etc, os temas que farão parte da seleção para serem noticiados serão os que tratam de fatos que rompem com a rotina: mortes, estrutura deficitária, falta de profissionais. Como se trata de uma seleção, é apenas parte da realidade”, afirma Criselli.00182985

Nessa linha, Titton pondera que o bom serviço prestado pelos servidores da saúde acaba não aparecendo para o grande público. “O atendimento que dá certo, que representa mais de 99% dos mais de 20 mil que fazemos diariamente no SUS Curitiba, não vira notícia. Serviços tão essenciais quanto o prestado nas unidades de saúde passam despercebidos pelo público e deixam de ser associados ao SUS”, avalia Titton.

Avanço

O SUS foi idealizado no Brasil em um momento em que a saúde pública era voltada apenas a pessoas assalariadas, seus dependentes e que contribuíam com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A população mais carente ou sem carteira de trabalho assinada não tinha direito à assistência. Diante desse contexto, em 1986, o movimento sanitarista brasileiro passou a desenhar como seria o sistema de saúde público ideal para o país.

O sistema baseado em princípios como a equidade (para que todas as pessoas tenham acesso aos serviços, independentemente de suas condições), integralidade (que atenda as pessoas respeitando diferenças biológicas, sociais, econômicas e espirituais), universalidade (para todos), descentralização (com serviços o mais próximo possível dos usuários) e controle social (com participação dos usuários em seu processo de construção) foi descrito na Constituição Federal de 1988 e passou a funcionar em 1990.

Para o enfermeiro Paulo de Oliveira Perna, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o SUS trouxe avanços significativos para os brasileiros. “Entre os aspectos positivos, gostaria de ressaltar a implantação efetiva da atenção básica no Brasil, que antes praticamente não existia. Quando os municípios passam a incluir como sua responsabilidade a assistência à saúde, milhões de brasileiros, que antes pouca oportunidade tinham de chegar a um serviço de saúde, passaram a tê-la”, diz Perna, que é militante do movimento sanitário brasileiro.

Perna lembra que o SUS é um dos modelos de política pública de saúde mais bem acabados no mundo, assemelhando-se a sistemas adotados na Inglaterra, Canadá, França e Suécia. “A grande diferença do SUS com esses países é que, por lá, há muito mais recursos financeiros à disposição do que por aqui. E nesses países também vemos propostas para mudar ou flexibilizar seus sistemas de saúde”, afirma.

“O Brasil está na vanguarda mundial, com um sistema público de saúde que tem, pelo menos em sua forma legal, as bases na solidariedade e justiça social. A maioria do povo brasileiro depende integralmente desse sistema e, sem ele, a calamidade social seria maior”, diz Perna.