Dedicação de servidores humaniza o SUS e ajuda a aperfeiçoar serviços

00183495Cursos de capacitação e aprimoramento fazem parte da rotina de servidores da rede pública de saúde em Curitiba e do esforço da Prefeitura para oferecer serviços de qualidade à população. Mas, percorrendo unidades da rede, é fácil encontrar servidores que vão além do permanente aperfeiçoamento profissional e fazem do trabalho no Sistema Único de Saúde uma missão.

O atendimento à população que procura o SUS em Curitiba é feito por 9.798 servidores diretos e indiretos, distribuídos por hospitais, unidades de saúde, laboratórios, centros de atenção psicossocial e outras unidades. São médicos, enfermeiros, cirurgiões dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos, profissionais de educação física, técnicos de diversas áreas e outros profissionais acostumados a uma rotina que muitas vezes exige ir além da obrigação profissional.

“Para mim, o SUS é uma filosofia”, define a dentista Lara Cubis de Lima, funcionária de carreira da Prefeitura, diretora do Distrito Sanitário de Santa Felicidade. Desde que decidiu ser dentista, Lara tinha como objetivo atuar na saúde pública. Ao ser aprovada no concurso da Prefeitura, ela fechou o consultório particular que manteve por 12 anos. “Nunca aceitei que uma coisa tão primordial como a saúde não pudesse estar acessível a todas as pessoas. É isso que o SUS tem de encantador, além do foco na promoção da saúde, e não apenas na recuperação de doentes”, diz.

Lara lembra que muita gente pensa que o SUS é só um sistema de assistência à saúde dos mais pobres e desconhece que essa é apenas uma das suas faces. “O SUS é um sistema universal que abrange tudo que se refere à saúde no Brasil. A Agência Nacional de Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por exemplo, fazem parte também. Não existe um só brasileiro que não seja beneficiado pelo SUS”, destaca.

Sem fechar os olhos para os problemas, Lara não perde de vista “o tanto que ainda precisa ser aperfeiçoado”. Mas ressalta que, por lidar com pessoas, o sistema nunca está pronto: “A população cresce, as comunidades ganham novas características, as demandas se modificam e aumentam e, por isso, melhorar o acesso é uma luta diária”.

Ela chama a atenção para a forma como os serviços do SUS são oferecidos nas Unidades de Saúde: “Você tem geriatra, infectologista, psiquiatra, ginecologista, pediatra, faz consultas e tratamentos médicos e odontológicos, vacinas, exames laboratoriais, raio X, e tudo de graça. Um paciente idoso que recebe alta hospitalar pode, se necessário, continuar recebendo assistência em casa de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêutico. Recebe medicamentos, tudo isso proporcionado pelo SUS. Onde mais existe isso?”

Acesso

A Prefeitura aplica na área de saúde mais do que o percentual de 15% do orçamento que a Constituição Federal estabelece como obrigatório. No ano passado, esse índice chegou a 21,2%. Na aplicação desse orçamento, o foco está sempre voltado para a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde. Nesse sentido, uma medida importante adotada na atual gestão foi a autonomia dada às Unidades de Saúde para organizar o atendimento, de acordo com o perfil da população das áreas onde estão assentadas.

Com isso, cada US pode, também, ajustar a carteira de serviços às demandas da comunidade. Lara relata que essa nova postura possibilitou a expansão do Programa Antitabagismo na Regional Santa Felicidade. Antes, o programa funcionava em duas US e agora disponível nas nove da região. Cita também os serviços de cantoplastia (tratamento de unha encravada) e lavagem de ouvido, implantados recentemente. Podem parecer coisas pequenas, mas são medidas que voltam a pôr em prática a recomendação da Organização Mundial da Saúde para resolver na atenção primária 80% dos problemas de saúde da população – o que reduz a sobrecarga sobre as unidades de urgência e emergência.

“Acredito que entre os marcos desta gestão municipal estão a criatividade, a transparência e a gestão participativa, para reconduzir o SUS à sua missão, que consta do Plano Municipal de Saúde 2014-2017: ‘Garantir e melhorar o acesso com qualidade, equidade e humanização, para atendimento em tempo adequado, integral e com resolutividade das necessidades da população de saúde, na rede de serviços do SUS Curitiba’”, afirma o secretário municipal da Saúde, César Monte Serrat Titton – ele próprio um entusiasta do SUS, que construiu sua carreira na rede pública.

Formado em Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Titton também estudou gestão, durante a residência, e Psicologia Comunitária na Inglaterra. Ele conta que ao longo da faculdade, ao fazer estágio em diferentes áreas do SUS, encontrou algumas “em que o propósito deixava a desejar”. “Mas ao mesmo tempo tive vislumbres de uma amplitude maior do que eu imaginava e também de experiências de excepcional qualidade, competência e humanização no cuidado prestado”, afirma. No último ano do curso, Titton dedicou a vida profissional à área de família e comunidade. O secretário é servidor concursado da Secretaria Municipal da Saúde desde 2006 e passou anos lotado na Unidade de Saúde Umbará, que escolheu em razão da proposta de trabalho ligada à Estratégia de Saúde da Família.

“Desde 2013, o SUS em Curitiba foi revigorado em seu modelo de atenção, gestão e vigilância, com avanços significativos em serviços prestados e melhoria de indicadores da saúde da população, além da resiliência para enfrentar diversos dos desafios que não prevíamos, ao menos nesta intensidade, lá em 2013”, afirma.

Para a cirurgiã dentista Lara, diretora do Distrito Sanitário de Santa Felicidade, as críticas ao SUS ajudam a não baixar a guarda e a manter a vontade de enfrentar os desafios, mas é importante também mostrar o valor que o sistema tem e defender a sua continuidade e aperfeiçoamento. “Nesses 28 anos de SUS, Curitiba saiu na frente em programas como a Estratégia Saúde da Família, incluindo equipes de Saúde Bucal desde que aderiu ao programa do Ministério da Saúde, e se tornou referência em programas inovadores, como o atenção às gestantes e recém-nascidos, o diagnóstico precoce do HIV, o modelo de Residências Terapêuticas, o Consultório na Rua e tantos outros”, afirma.

Atendendo a todos

Cerca de 200 profissionais atuam na assistência 24 horas da Unidade de Pronto Atendimento Boa Vista, nos serviços de urgência e 00183490emergência – onde são atendidas cerca de 700 pessoas por dia. A coordenadora da unidade, Tania Maas, diz que a organização e operação de estruturas complexas como essa exigem mais do que uma boa preparação profissional.

“Sempre falo para minha equipe que trabalhar no SUS é só para os fortes, por causa dos desafios do nosso dia a dia”, diz Tânia, do alto dos seus 23 anos no SUS, um caminho impulsionado pelo sonho de se dedicar à prevenção e promoção da saúde das pessoas. “Ninguém sozinho faz as coisas darem certo no nosso serviço. Mesmo quando alguém elogia um profissional por ter sido bem atendido, ele sabe que o mérito é da equipe toda, porque, quando se trata de urgência e emergência é preciso a soma de esforços. Todo mundo tem que estar mobilizado, unido, sabendo que cada situação de sucesso vai permanecer invisível fora da esfera da família. Tem que ter desprendimento”, diz Tânia.

Nesse universo, a capacidade técnica exercitada diariamente pelo profissional e a visão social do trabalho em equipe para salvar vidas tornam-se ainda mais valiosas quando acrescidas de outras qualidades, como a generosidade, por exemplo. Não raro, ela se apresenta em gestos que refletem o olhar mais humano de quem aceitou a missão de lutar pela vida dos outros.

Orgulhosa da sua equipe, que classifica de “guerreira”, Tânia relata com entusiasmo: “Tem gente aqui que monta kits de higiene em casa e traz para oferecer às pessoas muito pobres ou moradores de rua que nos procuram. Tem kits que têm até creme para pele e pomada para bebê. É comum alguém recolher dinheiro dos colegas para ir comprar lanche para uma dessas pessoas. Trazem roupas, sapatos, e fazem coisas incríveis, porque desenvolvem um olhar solidário para as dificuldades e fragilidades humanas”.

Diferente de sistemas de outros países, o SUS acolhe e cuida de qualquer estrangeiro que esteja no Brasil. Para as equipes de saúde, acostumadas a lidar com tantos desafios, a comunicação com quem não fala a nossa língua não representa uma barreira para o entendimento. “A gente acha um caminho. Sempre tem por perto alguém que fala ou que conhece alguém que domina o idioma do visitante ou daqueles que escolheram Curitiba para morar, como haitianos e sírios, nos últimos anos”, relata Tânia.

No entanto, apesar do preparo para enfrentar as mais difíceis situações, Tânia conta que há momentos em que alguns profissionais mostram desânimo. Ela lamenta que quando se fala em SUS, o foco seja sempre alguma situação adversa. “O viés positivo raramente é mostrado e as conquistas e lutas de tantos trabalhadores da saúde para que o sistema funcione melhor são ignoradas pela população”, observa. Experiente e conhecedora da importância que tem o SUS, Tânia pondera “que há muito mais a aplaudir nesse sistema do que a corrigir”.

Com urgência

00183492O Sistema de Urgência e Emergência de Curitiba, que abrange Samu, Siate e a Central Metropolitana de Leitos Hospitalares, funciona para agilizar o atendimento àquelas pessoas cujas vidas dependem da agilidade com que serão atendidas. O Centro de Regulação de Urgência recebe cerca de 20 mil ligações por mês. Uma parte desse total é de solicitações de leitos hospitalares para pacientes de 29 municípios da Região Metropolitana de Curitiba. O restante são pedidos de ambulâncias que chegam dos bairros da cidade e de outros 16 municípios próximos, que não têm esses veículos para socorrer a população. São cerca de 7,5 mil saídas de ambulâncias, parte para atendimento de acidentes nas ruas e parte para atendimento e transferências de pacientes das Unidades de Saúde.

Envolvendo mais de 1,5 mil profissionais, o trabalho dos diversos setores tem de estar muito bem organizado e sincronizado. Nesse cenário, o real interesse pela preservação da vida de outras pessoas é um traço que deve compor o perfil dos atores para dar sentido à sua atuação profissional. “É o que move o nosso trabalho”, afirma Giovana Fratin, diretora adjunta do Departamento de Urgência e Emergência da Secretaria Municipal da Saúde.

Para ela, esse componente tem de estar na natureza de quem escolheu trabalhar em qualquer serviço de saúde. Essa convicção tem raízes na infância dessa enfermeira, que aos cinco anos decidiu sua profissão e, ainda menina, nas ruas de Chapecó (SC), onde nasceu, corria para socorrer e fazer curativos nos amigos machucados. Era ela que tratava dos ferimentos e aplicava injeções nos animais da vizinhança. Sempre se oferecia para auxiliar quem estivesse tratando de um doente conhecido e, aos nove anos, ajudou no parto de uma vizinha. “Onde tinha quem precisasse, eu estava perto”, conta.

A trajetória de Giovana é uma das muitas histórias de profissionais idealistas que escolheram trabalhar no SUS de Curitiba e que tudo fazem para que o usuário sinta-se em boas mãos. Como tantos outros servidores, até chegar ao SUS o caminho profissional de Giovana foi longo. Já em Curitiba, ainda bem jovem, aprovada em concurso, foi trabalhar no atendimento ao público na Secretaria Municipal do Urbanismo. Mas não estava contente. “Eu não queria atender as pessoas. Eu queria cuidar delas”, conta. Arrumou outro emprego em um hospital, como instrumentadora cirúrgica na área de cirurgia plástica. Mais tarde, num curso de enfermagem no Senac, teve o primeiro contato com o SUS, num estágio no HC, e traçou sua meta: “Era o que eu queria para minha vida”.

O emprego no hospital lhe permitiu custear a faculdade de enfermagem e três especializações. Na rede municipal de Saúde, antes de chegar ao posto que ocupa hoje, Giovana passou pela UPA do Campo Comprido, gerência do Samu, coordenação de enfermagem da UPA Boa Vista, foi autoridade sanitária da UPA Fazendinha e US Ouvidor Pardinho, onde implantou a estratégia da Saúde da Família. Ela, que cresceu cuidando de gente, se diz realizada com suas conquistas e com o que já pôde fazer em todos os setores onde atuou. “Feliz”, é a expressão que ela usa para definir como se sente na profissão.

Hoje, Giovana é responsável por elaborar o protocolo de atendimento para melhorar o acesso da população aos recursos de que o SUS dispõe. Também integra o comitê de urgências da região metropolitana e coordena duas câmaras técnicas: a Infantil, na qual realiza um trabalho para ampliar o acesso de crianças e adolescentes aos hospitais Pequeno Príncipe, Evangélico, Hospital de Clínicas, Rocio (Campo Largo) e Angelina Caron (Campina Grande); e a de Atendimento Pré Hospitalar Fixo, implantada em 2015, que envolve 29 municípios. “Graças à pactuação com hospitais, o atendimento em toda a região metropolitana está melhorando”, diz.

Com grande experiência no SUS, do qual se mostra uma fiel defensora, mira no que é preciso avançar e cita como exemplo “a Estratégia de Saúde da Família, que hoje abrange 59% da população do município de Curitiba; e o Consultório na Rua, que já está no limite da capacidade de atendimento”. Em nível nacional, ela aponta como urgente “o replanejamento do financiamento do SUS, que há tempos já não cobre os custos de muitos serviços, impondo dificuldades aos municípios”.

Com um olhar agudo para o que a cada momento precisa ser melhorado nesse serviço público, Giovana explica: “Somos eternamente insatisfeitos. Quem trabalha no SUS quer salvar vidas e quer condições para fazer isso de um jeito cada vez melhor”. Atuar no SUS foi uma escolha de duras batalhas para Giovana. Ao lado disso, um outro fato lhe dá autoridade para defender o modelo: Giovana não tem plano de saúde privado e é uma usuária do sistema público. “Quem trabalha no SUS conhece, confia e usa o SUS”, diz.